Brasil e Estados Unidos iniciam negociação sobre tarifaço

 

O discurso do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao Congresso norte-americano, na noite de terça-feira, ecoou nos mercados internacionais. A longa fala, de 1h40min, em que afirmou que países como o Brasil aplicam tarifas que prejudicam o país e anunciou tarifas recíprocas a partir de 2 de abril, visando equilibrar as relações comerciais, fez China e Canadá anunciarem retaliações.

 

Após uma série de tratativas, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, vai se reunir hoje com o Secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, às 17h30, por videoconferência. Na pauta principal, está a taxação em 25% sobre o aço e o alumínio que, a princípio, começa a valer a partir do próximo dia 12, apesar de o governo brasileiro e o setor estarem confiantes em uma resolução via negociação.

 

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), destacou que o país deverá ser atingido indiretamente e diretamente por essa guerra tarifária entre Estados Unidos e China — dois maiores parceiros comerciais do Brasil — mas ainda não dá para saber exatamente o que vai acontecer. "O atual cenário é incerto e não permite afirmarmos nada. Pensando no que estamos vendo hoje, eu vejo isso como um jogo de perde e perde. Alguém até pode ganhar no curtíssimo prazo, porque, teoricamente, alguém vai dizer que o Brasil vai substituir os EUA como origem de importações de alimentos da China, mas, na verdade, esse ganho será apenas de curto prazo, porque não há como mantê-lo", frisou.

Na avaliação de Castro, o governo brasileiro vai ter que esperar um sinal para tomar uma decisão e, nesse caso, as pessoas do corpo diplomático de cada país devem conversar com os países, porque eles vão ter que ter mais capacidade de falar e as medidas, devem, de forma geral, serem tomadas com base técnica e não por impulso. "Nós não podemos ter um ano perdido, se tudo isso continuar dessa forma, 2025 seria um ano perdido, porque ninguém vai pensar em investir, ninguém vai pensar em tomar uma decisão mais criteriosa, porque você não sabe o que fazer", alertou.

Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o Brasil tende a ganhar ao longo do tempo pela aproximação com a China, mas também tende a perder terreno no comércio com os Estados Unidos. "O país já tem uma balança comercial deficitária com os EUA, em termos de indústria, que é a grande base de conexão com os norte-americanos. Logo, o deficit comercial pode aumentar ainda mais, ao longo dos próximos anos, e fazer com que o Brasil, eventualmente, se aproxime da China do ponto de vista industrial", afirmou. Segundo ele, como a indústria está avançando em várias frentes e em vários tipos de tecnologia e com a inteligência artificial, ela também começa a ter uma expansão na biotecnologia. "Eventualmente, com a tecnologia mais avançada, a gente pode começar também a ter um comércio mais ativo com os chineses, uma vez que não existe restrição nesse sentido", acrescentou.

 

Trump anunciou a aplicação de uma tributação de 25% para os produtos importados do Canadá e do México, mas pretende isentar, durante um mês, três grandes montadoras globais - Ford, General Motors e Stellantis (donas das marcas Fiat, Chrysler, Jeep, Peugeot e Citroen). A medida é vista como uma decepção, devido aos comentários anteriores das autoridades do governo dos EUA, na avaliação de Paul Ashworth, economista-chefe para a América do Norte da Capital Economics. Para ele, Lutnick havia sinalizado que um alívio mais amplo viria das tarifas de 25% recentemente impostas às importações do Canadá e do México.

 

"Os automóveis representam 12% das importações norte-americanas do Canadá e 27% das importações do México, embora esses números sejam para todos os fabricantes, não apenas para as três grandes empresas do setor. A natureza altamente integrada da indústria automobilística do país, onde as peças cruzam as fronteiras várias vezes durante a produção, sempre a tornou particularmente suscetível a uma tarifa geral, colocando a produção baseada nos EUA em desvantagem competitiva também", explicou Ashworth.

Na avaliação do economista, as tarifas recíprocas às importações de automóveis da UE e da Ásia, a partir de 2 de abril, "nivelaria o campo de jogo novamente". "Portanto, os fabricantes nacionais estão recebendo apenas um pequeno alívio temporário até que Trump possa aplicar o martelo tarifário em todos os outros também", acrescentou Ashworth.

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), por ora, também optou por não se posicionar sobre o tema e informou que espera maiores desdobramentos dos acontecimentos. "A questão ainda é recente e, até o momento, trata-se apenas de anúncios, sem impactos totalmente definidos para o Brasil. A entidade segue acompanhando os desdobramentos para avaliar eventuais efeitos no comércio internacional e nas exportações brasileiras de carne bovina", informou a entidade que reúne 43 empresas do setor no país, responsáveis por 98% da carne negociada nos mercados internacionais, ao Correio.



 

Oportunidade

Na avaliação do especialista em Comércio Internacional Welber Barral, a aplicação das tarifas por parte dos EUA foi percebida como uma surpresa entre outros países, inclusive entre os próprios afetados diretamente, como México, China e Canadá, que acreditavam em avanço nas negociações para conter a medida anunciada em fevereiro. Apesar disso, Barral, que é ex-secretário de Comércio Exterior do Mdic, aponta que os efeitos da guerra comercial já começam a ter efeitos na dinâmica comercial global, inclusive no Brasil.

"Toda vez que você tem uma medida assim, tão abrupta, você acaba distorcendo e criando um monte de problemas para um monte de gente. Por exemplo, empresas brasileiras que fornecem peças para montagem de veículos no México já estão sendo afetadas. Já estão tendo contratos cancelados porque o México é o grande exportador de caminhonetes para os Estados Unidos, por exemplo", ressaltou Barral.

Apesar dos possíveis efeitos negativos, especialistas acreditam que deve haver vantagens competitivas para o Brasil, caso as retaliações, de fato, sejam aplicadas. "Já tem exportador brasileiro olhando o que Canadá e México exportam para os Estados Unidos, porque pode abrir mercado para alguns produtos brasileiros. Em geral, o Brasil compete com os Estados Unidos em açúcar, algodão, soja, milho, carne, etc., mas podem haver alguns produtos que podem ganhar competitividade no mercado americano por conta das tarifas contra Canadá e México", acrescentou Barral.



 

Desequilíbrio

O principal efeito prático das tarifas anunciadas por Trump pode ser o desequilíbrio das cadeias globais de produtos, segundo o analista de Comércio Exterior da BMJ Consultores Associados Guilherme Gomes, que considera que esses distúrbios podem causar impactos diretos ao Brasil. "No curto prazo, as maiores tarifas aplicadas ao Canadá, China e México — os principais parceiros comerciais dos Estados Unidos — serão oportunidade para que o Brasil aumente suas exportações para os EUA, pois os produtos brasileiros ficarão mais competitivos", afirmou Gomes.

Apesar das projeções e estimativas sobre o que pode acontecer com a balança comercial brasileira neste ano e nos próximos, ainda é cedo para confirmar se o Brasil vai ser favorecido, ou não, com as medidas já anunciadas, como ressalta o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Mauro Rochlin. "Com as tarifas, os produtos negociados vão se tornar mais caros, o que tende a diminuir o consumo desses produtos nos países de destino. Portanto, há uma piora, uma redução no comércio internacional, era o esperado, que por sua vez pode reduzir o crescimento econômico para todo lado", frisou o professor.

 

 

 

 

 

Fonte: correiobraziliense

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